06.jun

Fazenda faz sensacionalismo nos Tribunais e no Congresso para obter medidas

O relatório da Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), anexado à proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2019, considera “possível” a derrota em processos judiciais tributários com discussões no valor de R$ 1,1 trilhão. Esse documento levanta todas as teses tributárias hoje em discussão no STF e no STJ, estimando impacto, de acordo com a PGFN, sempre no pior cenário possível, com base em dados da Receita Federal do Brasil (RFB), considerando: perda de arrecadação anual; devolução de todos os valores pagos pelos contribuintes.

Esse relatório está disponível neste link (Anexo V, “Riscos Fiscais”, página 599 e seguintes). As conclusões referentes ao passivo decorrente de demandas judiciais de natureza tributária contra a União Federal estão na página 615 e seguintes, e trazem informações conclusivas.

Por exemplo, no que diz respeito à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, já decidida em favor dos contribuintes pelo STF, a estimativa de impacto é de alegados R$ 250,3 bilhões para os cofres públicos; no que diz respeito à incidência de PIS/COFINS sobre locação de bens imóveis, o impacto estimado é de R$ 3,4 bilhões; e, no que diz respeito à delimitação do conceito de insumos para fins de creditamento de PIS/COFINS, também decidida recentemente (pelo STJ), impacto de R$ 50 bilhões apenas em 2015; dentre muitas outras apresentadas no decorrer do Anexo V.

O que não fica claro é quais dados foram utilizados como base, nem qual a metodologia de cálculo utilizada como parâmetro para essas estimativas. Em artigo publicado na Revista de Direito Tributário Contemporâneo, um grupo de tributaristas já havia alertado para a falsificação dos dados relativamente ao impacto fiscal da decisão que determinou a não incidência de PIS/COFINS sobre o ICMS. A RFB emitiu, na época, nota interna confirmando que “não se pode dar muita certeza” sobre como chegou à cifra de R$ 250 bilhões. Evidentemente, a resposta foi essa pois os dados e a metodologia não existem. O número é um chute.

Vamos além: poucas dessas estimativas são realmente possíveis. Recentemente publiquei um artigo (disponível aqui) demonstrando como a decisão do STJ a respeito do conceito de insumos – definindo que insumo é “aquilo que é essencial para o processo produtivo” – não possui qualquer eficácia prática imediata, renovando toda a controvérsia e postergando a solução definitiva do problema para um futuro distante.

Pois bem, se essa decisão do STJ não possui um impacto imediato específico geral, mas tem um impacto que depende do tamanho e do modus operandi de cada empresa; como é que a PGFN chegou na cifra de R$ 50 bilhões apenas no ano de 2015 (tema 3, página 622 do relatório)? Não há dúvidas de que esse valor também é um chute.

A verdade é que tais cifras, de origem nitidamente duvidosa, vem sendo seguidamente utilizadas para fundamentar pedidos de modulação dos efeitos das decisões de cunho tributário – quando a Fazenda pede que tais decisões somente sejam aplicadas “para a frente”, prejudicando todos aqueles que pagaram indevidamente os tributos até então –, com base em um conceito completamente vago, impreciso, indeterminado de “interesse social”. E esses mesmos dados estão sendo agora submetidos ao Congresso Nacional como base para a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Esse procedimento, ressalvando eventuais posições contrárias, atenta diretamente contra a lisura do processo democrático, já que coloca em xeque a integridade dos argumentos submetidos pela própria União aos Ministros do STJ e do STF, e agora aos Deputados Federais e Senadores. Essas autoridades muitas vezes – partindo do pressuposto de que tais dados são idôneos – os adotam como base para decidir.

Ao contrário do que advoga o apelo fazendário, entendemos que o verdadeiro interesse social reside em dar transparência para as informações trazidas a público, bem como assegurar que informações falsas ou de origem duvidosa não interfiram na tomada de decisão dos Poderes. Afinal, qual é o interesse desse sensacionalismo? Ora, estamos falando de valores cobrados indevidamente dos cidadãos. O que é de interesse social, senão que tais valores retornem ao mercado?

Publicado por:

Kim Augusto Zanoni
OAB/SC 36.370

       Sócio gerente do núcleo tributário.

        kim@silvaesilva.com.br

 

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