De início, conveniente citar o disposto no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna de 1988, in verbis:
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
Consabido, portanto, frente ao texto Constitucional, que todos os atos e/ou decisões judiciais, peremptoriamente, devem ser fundamentados, sob pena de nulidade absoluta da decisão imotivada. Na mesma esteira, o artigo 564, inciso V, do Código de Processo Penal, averba: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: V – em decorrência de decisão carente de fundamentação”.
Ainda, a Lei Complementar n. 35/1979 (lei orgânica da magistratura), no âmago do artigo 35, inciso I, prevê: “São deveres do magistrado: I – Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”.
Em consonância com isso, faz-se mister trazer à colação os ensinamentos de ADA PELEGRINNI GRINNOVER[1], pág. 29, in verbis: “Na hipótese haveria a própria inexistência do ato processual ou seria ele absolutamente nulo, por se tratar de atipicidade constitucional. Neste caso, não há espaço para atos irregulares ou nulidade relativa, sendo a sanção para o ato praticado em desconformidade com o texto constitucional a nulidade absoluta pela não observância do preceito”.
Nesse sentido, os pressupostos que alicerçam a motivação das decisões judiciais são as seguintes: a) o exercício da lógica e atividade intelectual do juiz; b) individualização das normas aplicáveis; c) análise dos fatos; d) sua qualificação jurídica; e) consequências jurídicas (princípio do livre convencimento motivado).
Interessante, ainda, rememorar acerca do princípio da persuasão racional. Nesta senda, à doutrina de GUILHERME NUCCI[2] – Manual de processo penal e execução penal – pág. 112, in verbis: “Significa que o juiz forma o seu convencimento de maneira livre, embora deva apresentá-lo de modo fundamentado ao tomar decisões no processo. Trata-se da conjunção do art. 93, IX, da Constituição […] com os arts. 155, caput (o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova…) e 381, III (a sentença conterá: (…) III- a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão) do Código de Processo Penal”.
Logo, a não observância da fundamentação das decisões (despacho e/ou sentença), além de violar norma Constitucional e processual, sobrepuja, sobretudo o princípio do contraditório (art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 e artigo 8º, do Pacto São José da Costa Rica – Decreto Legislativo nº 27, 26/5/1992).
Por conveniente, cita-se:
“Artigo 5º, LV, CF/88, in verbis: Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
“Artigo 8º, da CADH, in verbis: 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
Acerca do tema em testilha, o Ministro Ayres Brito, no julgamento do HC n. 105.879/PE, em sua profunda análise, pondera, in verbis: “[…] No caso, não se encontra no decreto de prisão o conteúdo mínimo da garantia da fundamentação real das decisões judiciais. Garantia constitucional que se lê na segunda parte do inciso LXI do art. 5º e na parte inicial do inciso IX do art. 93 da Constituição Federal e sem a qual não se viabiliza a ampla defesa nem se afere o dever do juiz de se manter equidistante das partes processuais em litígio. Noutro falar: garantia processual que junge o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia às partes conhecer os motivos que levaram o julgador a decidir neste ou naquele sentido”. Grifamos.
Além do escopo legal, há na jurisprudência dos Tribunais Superiores (STJ e STF), o conceito de fundamentação per relationem dos atos decisórios. Isto é, fundamentar a decisão com base em outro julgado, não elaborando uma justificativa autônoma em relação àquele ponto. Em relação ao tema, assinala Taruffo[3], in verbis:
“O juiz não elabora em um ponto decisório uma justificação autônoma ad hoc, mas se aproveita da justificação contida em outra sentença“.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese n. 18, in verbis:“A utilização da técnica de motivação per relationem não enseja a nulidade do ato decisório, desde que o julgador se reporte a outra decisão ou manifestação dos autos e as adote como razão de decidir“. Todavia, a tese n. 18 supracitada, não é um salvo conduto para o Julgador furtar-se da motivação das decisões. Isto posto, nos autos do RHC 107.665/RJ, destaca, in verbis:
“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora admita que o julgador se utilize da transcrição de outros alicerces jurídicos apresentados nos autos para embasar as suas decisões – no caso, do parecer do Ministério Público –, ressalta a necessidade também de fundamentação própria, devendo o julgador expor, ainda que sucintamente, as razões de suas conclusões, o que não foi realizado pelo Tribunal de origem. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido para anular o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª. Região nos autos do Habeas Corpus n.º 0008330-61.2018.4.02.0000, determinando que outro seja prolatado, com a necessária fundamentação.” Grifamos.
De igual modo, o Supremo Tribunal Federal, entende ser válida a utilização de tal instituto, ressalvando, outrossim, que o uso da fundamentação per relationem não se confunde com ausência ou deficiência dos atos decisórios, consoante assentado no HC 182773 AgR – Rel. da Ministra Rosa Weber, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MOTIVAÇÃO PER RALATIONEM. POSSIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA DO ART. 316 DO CPP. PLEITO DE PRISÃO DOMICILIAR EM DECORRÊNCIA DA COVID-19. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. Na linha da orientação jurisprudencial desta Suprema Corte, “o Agravante tem o dever de impugnar, de forma específica, todos os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não provimento do agravo regimental” (HC 133.685-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 10.6.2016). 2. O uso da fundamentação per relationem não se confunde com ausência ou deficiência de fundamentação da decisão judicial, sendo admitida pela jurisprudência desta Suprema Corte (RHC 130.542-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe 25.10.2016; HC 130.860-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 1ª Turma, DJe 26.10.2017). (…) (HC 182773 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-294 DIVULG 16-12-2020 PUBLIC 17-12-2020)
Em arremate ao exposto – para além da fundamentação das decisões judicias – em exaltação oportuna aos predicados daquele que emana a devida prestação jurisdicional, no que toca ao dever do Julgador, o Ministro Nefi Cordeiro, no HC n. 509.030 – RJ, lastreou a seguinte observação, in verbis:
“[…] Aliás, é bom que se esclareça ante eventuais desejos sociais de um juiz herói contra o crime, que essa não é, não pode ser, função do juiz. Juiz não enfrenta crimes, juiz não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos políticos da nação…. O juiz criminal deve conduzir o processo pela lei e Constituição, com imparcialidade e, somente ao final do processo, sopesando adequadamente as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade, é definidor da culpa provada, sem receios de criminosos, sem admitir pressões por punições imediatas […]”. Grifamos.
Por conseguinte, o cumprimento estrito da legislação – acima citada – no que tange às balizas da fundamentação judicial e à luz do princípio da imparcialidade, são predicados inafastáveis do Julgador para efetiva prestação jurisdicional. Caso contrário, qualquer inobservância nesse contexto, implicará em nulidade absoluta de toda e qualquer decisão exarada.
Portanto, é dever do causídico, no exercício pleno do seu múnus, postular em juízo para que tais preceitos legais sejam cumpridos à risca. Aliás, denota-se, diante do contexto normativo aventado, que a engrenagem processual só se efetiva com o mutualismo e a protocooperação.
Isto é, o cenário perfeito; uma simbiose única aviada pela relação processual, consistente no trabalho despendido pelo advogado em conduzir o Julgador ao conhecimento pleno das recônditas peculiaridades do feito; e, em contrapartida, o julgador valer-se da fundamentação pertinente, seja para conceder ou negar o pedido que lhe fora feito.
Em arremate, trata-se de um papel conjunto dos atores do judiciário. A tutela efetiva da prestação jurisdicional, por meio das decisões judiciais, sobretudo no âmbito do processo penal, contempla não só ao sistema de justiça, mas o cidadão da sociedade civil organizada. Ao fim, “lembremo-nos que o nosso compromisso é com o Direito e a Justiça e não apenas com a lei, e que sem operadores competentes do Direito não passará de uma estrutura formal de justiça e de uma mera utopia[4]”.
[1] GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. P. 29.
[2] Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza Nucci. – 8.ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pág. 112.
[3] TARUFFO, Michelle. La motivación de la sentencia civil. — México :Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2006. p. 365.
[4] Sergio Cavalieri Filho – Revista da EMERJ, v.5, n. 18, 2002, pág. 65 – https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista18/revista18_58.pdf.
Escrito por: Luís Octávio Outeiral Velho
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