14.fev

Teses tributárias para trading companies: dois pesos, duas medidas

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de maneira correta, que as exportações indiretas (via trading companies) estão acobertadas pelas imunidades tributárias das exportações em geral.

Nada mais óbvio, uma vez que a exportação indireta é simplesmente uma exportação realizada através de um intermediário – a trading company, que possui um papel fundamental no comércio exterior, ao servir como um facilitador da internacionalização de empresas que não possuem o know how necessário para atuar na importação/exportação de forma direta.

Em que pese a clareza gritante desse conceito para os profissionais que atuam no comércio exterior, as trading companies até hoje são tratadas de maneira nebulosa pela legislação e pelos juízes – a ponto de controvérsias desse calibre, aparentemente superadas do ponto de vista técnico, chegarem a discussão. E o impacto negativo de decisões imprecisas é imensurável.

Um bom exemplo para demonstrar a falta de precisão no tratamento jurídico das tradings é o caso das teses tributárias: já vi diversas trading companies serem autuadas pela Receita Federal (RFB) ao pedirem, após o ingresso de mandado de segurança (teses tributárias), a devolução de valores recolhidos indevidamente para o Fisco em operações de importação por conta e ordem. Mas afinal, quem tem o direito de pedir a restituição: a trading ou o cliente (adquirente)?

Parece fácil mas não é, por uma simples realidade jurídica: para a legislação tributária, a trading é o contribuinte (responsável por lançar e recolher) dos tributos devidos na importação. Em outras palavras, na hora de exigir o tributo, a lei (e por consequência a RFB) de maneira fictícia trata a trading company não como intermediário, e sim como o próprio importador. Nessa hora o cliente da trading também deixa de ser o importador, sendo-o apenas “subsidiariamente”.

Ocorre que, também para a legislação tributária, quem tem o direito de pedir a restituição pelo pagamento indevido de tributos é justamente o contribuinte. Mas, na hora de receber de volta o tributo (quando pago a maior) as tradings enfrentam resistência por parte da RFB. O argumento? De que a trading é só um intermediário – com base na Instrução Normativa nº 1.861/2018/RFB. Nessa hora, o “real importador” não é mais a trading, e sim o cliente da trading.

Embora tecnicamente correta, a verdade é que essa posição conflita com as premissas adotadas pela legislação tributária (hierarquicamente superior) ao qualificar a trading como contribuinte na importação. Ora: se a trading é só um intermediário, não poderia ser o contribuinte dos tributos na importação, já que não possui interesse jurídico no fato que constitui o substrato econômico da incidência dos tributos (a compra e venda da mercadoria). O seu interesse jurídico se esgota na prestação do serviço para o seu cliente.

Por outro lado, admitir a trading como contribuinte dos tributos na importação impõe logicamente em reconhecer que é também a trading quem tem direito a receber de volta eventuais valores pagos a maior para o Fisco. Nesse passo, o argumento de que se trata de um simples intermediário é tecnicamente correto, mas é juridicamente inferior a esse outro argumento. E agora, qual vale mais? Na prática, prevalece o pior de cada um.

Demonstrando que a Justiça também não faz a mínima ideia do que é uma trading company, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) tem prevalecido, pasmem, justamente a posição “híbrida”: a trading é responsável por pagar os tributos; mas não tem o direito de receber de volta. Entendendo que a trading company é um mero intermediário, tem-se negado o direito de as tradings receberem créditos decorrentes de teses tributárias.

Outro bom exemplo que ilustra essa falta de precisão é o caso em que a trading é autuada (isoladamente) para pagamento de diferenças de tributo decorrentes da reclassificação fiscal (NCM) da mercadoria importada. Pela lógica, se a trading company é apenas um intermediário, as autuações devem (deveriam) ser direcionadas ao “real importador”. Mas essas autuações são geralmente mantidas pelo TRF4. Para esses casos, a trading não é um mero intermediário. Assim, segundo o entendimento corrente, na hora de pagar a trading é considerada importador; e não é mais na hora de receber. Na hora de receber ela é só um intermediário.

Tenho reiteradamente levado essas questões ao Tribunal, mas o fato é que há necessidade de um posicionamento institucional do segmento, de maneira organizada, exigindo das autoridades uma atualização da legislação – definindo o que é afinal a trading company para a lei, e estabelecendo um regime jurídico logicamente coerente. A adoção de um posicionamento “híbrido” é muito pior do que um posicionamento incorreto. Muitas empresas do setor, pouco atentas a essa controvérsia, tem sofrido grandes prejuízos. No fim das contas, o preço da insegurança jurídica é pago pelo mercado – e é de todos nós.

Ouça mais sobre o tema em nosso Podcast:

Publicado por:

Kim Augusto Zanoni

  • Sócio do Silva & Silva Advogados Associados e especialista em tributação, logística e comércio exterior.
  • kim@silvaesilva.com.br