A última semana ficou marcada pelo extenso debate a respeito da aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei n° 4.302/1998, conhecido como Projeto da Terceirização, com ampla disseminação de informações imprecisas ou inverídicas a respeito do seu conteúdo e sua eficácia prática, em especial por veículos de comunicação ideologicamente enviesados, contaminando até mesmo notas oficiais de entidades respeitadas no meio jurídico.
Fato é que o vintenário PL n° 4.302/1998 vem atender a uma necessidade há muitos anos demandada pelo segmento produtivo da sociedade brasileira: a regulamentação da prestação de serviços terceirizados, com o estabelecimento de regras claras para essa relação jurídica. Deve-se destacar que, de acordo com a pesquisa patrocinada pelo Sebrae no ano de 2015, praticamente quatro entre dez brasileiros adultos (precisamente 39,3% da população adulta) são empreendedores, sendo portanto uma significativa parcela da população (fonte: clique aqui).
Nesse sentido, o PL n° 4.302/1998 atingirá diretamente as formas de planejamento corporativo trabalhista e tributário das empresas no Brasil, mas não da forma como noticiado em determinados veículos de comunicação, como por exemplo, com a supressão de direitos trabalhistas ou a diminuição da arrecadação para a Previdência – informações que decorrem de uma leitura – proposital ou despropositadamente – equivocada e até mesmo sensacionalista da questão.
Cumpre observar de início que, do ponto de vista do empreendedorismo, a modificação legislativa abre mercado para a formação de novas empresas, especializadas na prestação de (outros) serviços terceirizados, até então não permitidos ou inviáveis por conta do risco decorrente da insegurança jurídica causada pela mistura de responsabilidades, principalmente trabalhistas.
Isso porque agora toda atividade de uma empresa, seja ela atividade-meio ou atividade-fim, poderá ser segmentada para receber mão-de-obra terceirizada, algo que até então não era permitido, ensejando a responsabilidade direta do tomador em face do funcionário vinculado ao prestador do serviço.
Assim sendo, a mudança é muito diferente daquilo que vem sendo noticiado pelos veículos de comunicação, de que haverá supressão de postos de trabalho, com a substituição de todos os funcionários por pessoas jurídicas prestadoras de serviço, com a consequente perda da receita com contribuições previdenciárias. O projeto tampouco permite a segmentação de uma atividade econômica em diversas pessoas jurídicas, para o fim de usufruir os benefícios do Simples Nacional, como também foi ventilado.
Muito pelo contrário, a mudança é essencialmente organizacional. A terceirização atende, em primeiro lugar, à profissionalização de um negócio, na medida em que permite a especialização de qualquer segmento ou setor administrativo da empresa, da forma como bem lhe aprouver, com a possibilidade de escolha do processo mais eficiente, sem que isso represente risco ou custo fiscal e trabalhista.
Isso fica claro da proposta de redação do § 5° do art. 5-A da Lei Federal n° 6.019/1974, segundo a qual “a empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Em outras palavras, a empresa contratante dos serviços terceirizados passará a ser responsável apenas subsidiário – ou seja, no caso de a empresa prestadora de serviços para terceiros ser insolvente – relativamente às obrigações trabalhistas, e apenas relativamente ao período da prestação de serviços. Até então, na prática, o que ocorria era a responsabilização indiscriminada dos tomadores de serviços terceirizados por obrigações trabalhistas das empresas prestadoras.
A nova situação é benéfica não apenas por privilegiar a segurança jurídica das empresas, mas porque assegura aos trabalhadores empregados o cumprimento da legislação trabalhista por parte dos empregadores. Na prática, essa situação acarretará um controle extrajudicial das práticas trabalhistas por parte das próprias empresas, excluindo dos grandes mercados as empresas não qualificadas a partir de um critério de respeito à legislação trabalhista.
Do ponto de vista tributário, também é falsa a informação relativa à perda de arrecadação, já que, ao contrário, como visto do dispositivo citado acima, a viabilização da prestação de serviços terceirizados ensejará o surgimento de novas empresas, com o recolhimento de contribuição previdenciária retida na forma do art. 31 da Lei Federal n° 8.212/1990, adicionalmente ao pagamento da contribuição previdenciária pela empresa prestadora de serviços terceirizados, incidente sobre a folha de salários. Ou seja, surge uma nova operação, com nova cobrança de tributo.
Diversamente do que noticiado na mídia, a aprovação do PL n° 4.302/1998 não afeta o número de postos de trabalho no país nem prejudica qualquer tipo de direito trabalhista. A informação de que agora é permitido substituir cada um dos funcionários por uma pessoa jurídica, suprimindo-se portanto o direito ao FGTS e a incidência da contribuição previdenciária, é visivelmente falsa, já que, uma vez que haja vínculo pessoal de subordinação, para prestação de serviços em caráter fixo (não eventual), continuará a existir relação de emprego, com todos os direitos que lhe são consectários.
Desse modo, o PL n° 4.302/1998 privilegia, e não prejudica, o surgimento de novos postos de trabalho, já que viabiliza o surgimento de novos negócios em um mercado que busca competitividade e a eficiência dos processos produtivos.
Não existe prejuízo para os postos de trabalho, do ponto de vista macroeconômico, eis que o funcionário terceirizado mantém o vínculo de emprego com a empresa prestadora de serviços a terceiros. De acordo com o PL n° 4.302/1998, é (art. 3°, § 1°) “a empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores”, sendo que (§ 2°) “o trabalhadores das empresas de prestação de serviços não se subordinam ao poder diretivo, técnico ou disciplinar da empresa contratante”, e sim da própria empresa de prestação de serviços. Ou seja, o posto de trabalho, ainda que terceirizado, continua a existir no mercado.
Cumpre ressaltar que, quando fala em “empresa contratante”, o PL n° 4.302/1998 se refere à empresa que contrata a empresa prestadora de serviços terceirizados (art. 5°): “empresa contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços para a execução de atividades diversas daquelas por ela desenvolvidas”.
Do mesmo modo, o PL n° 4.302/1998 não permite, como noticiado em determinados meios de comunicação, a uma empresa que segmente todos os seus setores em diferentes pessoas jurídicas, podendo usufruir de forma indevida dos benefícios do Simples Nacional.
Com efeito, a simulação da terceirização de atividades é vedada não apenas pela atual legislação em vigor, como pelo próprio PL n° 4.302/1998, que dispõe expressamente ser (art. 8°) “vedada a contratação para prestação de serviços entre empresas do mesmo grupo econômico”, bem como (art. 7°) “a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços”, garantindo assim a mesma situação já tutelada pela ordem jurídica atualmente em vigor.
Assim, portanto, as mudanças inauguradas pelo PL n° 4.302/1998, conhecido como Projeto da Terceirização, possuem resultado prático essencialmente organizacional para as empresas. Com a nova legislação, além de permitir-se o surgimento de novos negócios, será possível aos empreendedores organizarem-se de forma mais eficiente, com a devida segurança jurídica tanto do ponto de vista fiscal como trabalhista, buscando melhor competitividade no mercado. A mudança, então, privilegia o fortalecimento da economia brasileira, sendo desenterrada em boa hora pelo Congresso.
Publicado por:
Kim Augusto Zanoni
OAB/SC 36.370
Sócio gerente do núcleo tributário.
kim@silvaesilva.com.br