No último dia 20 de agosto, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça – órgão que reúne as duas Turmas criminais da Corte – consolidou o entendimento de que o não pagamento de ICMS que foi declarado pelo contribuinte também configura crime contra a ordem tributária.
Referido julgamento provavelmente é o mais importante em matéria de Direito Penal Empresarial e Direito Tributário deste ano, e terá grandes reflexos nas atividades empresariais pelos próximos anos.
Sob a ótica do Direito Penal, a decisão desloca as discussões da esfera da existência ou não de crime contra a ordem tributária para a presença ou não de dolo, bem como para as excludentes de ilicitude – possível estado de necessidade, dificuldade econômica irremediável, entre outros fatores.
Doutro lado, sob o ângulo do Direito Tributário, tecnicamente a referida decisão parte de uma premissa absolutamente equivocada, confundindo o ICMS com outros tributos, esses sim retidos na fonte, como o IRRF e a contribuição previdenciária retida do funcionário – premissa que, levada ao pé da letra, levaria ao absurdo de considerar crime todo e qualquer inadimplemento tributário.
Mas o fato é que, na prática, a decisão coloca o contribuinte – empresas, empresários e cidadãos em geral – em posição acuada frente ao Estado. Se é verdade que nosso sistema jurídico separa responsabilidade criminal e responsabilidade civil, há portanto ilícitos civis que não são ilícito criminal – e a inadimplência fiscal é uma delas: sujeita a juros, multa, execução fiscal, arrolamento de bens, mas nunca (pelo menos em tese) a pena privativa de liberdade. Assim deveria ser.
A importância dessa garantia nunca deveria ser menosprezada pelo cidadão comum – trazida às últimas consequências, é essa a garantia de que não seremos extorquidos pelo Estado, sob pena de prisão.
Com efeito, não se desconhece a importância da tributação para manutenção das atividades do Estado. Tal circunstância não é, contudo, desculpa para desvirtuar a tipificação do crime de sonegação fiscal – relacionado diretamente a fatos que envolvem a sonegação de informações a respeito de fatos tributáveis –, imiscuindo-se o Estado indevidamente na liberdade individual dos cidadãos, para cobrar tributos.
Nesse sentido, a orientação pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça inaugura novos tempos para o Direito Penal Empresarial. As empresas e empresários, devedores de ICMS que foi declarado, passarão a enfrentar a via do processo criminal, que merece atenção redobrada e combate incisivo.
Ainda assim, a nova jurisprudência preocupa: é incorreta, injusta, e deve ser combatida energicamente pelos cidadãos, até que levada novamente a discussão, seja no próprio Superior Tribunal de Justiça, seja levada ao Supremo Tribunal Federal, ou ainda no próprio Congresso Nacional. Já que, evidentemente, aquele que escritura a operação, lança o tributo, mas não o recolhe a tempo e modo, seja qual for a razão (dificuldade financeira, crise econômica, etc), pode e deve ser considerado devedor, sofrendo as consequências do ilícito civil (multas e juros); mas jamais poderia ser considerado criminoso.
Antônio Fernando do Amaral e Silva
OAB/SC 29.088