Nestes tempos de pandemia gerada pela COVID-19, é imprescindível que estejamos atentos às matérias que disciplinam a gestão de crise e recuperação de empresas atingidas pelos impactos econômicos negativos que crescem de forma exponencial.
A capacidade de gerir e dominar os ativos e passivos em épocas como a que estamos vivendo é o que garantem a manutenção da saúde financeira da empresa, assegurando a sua permanência no mercado financeiro e a sua própria subsistência.
Conforme já dissertado em outros artigos, o ordenamento jurídico prevê inúmeras formas de recuperação de empresas e mecanismos para auxiliar a gestão destas situações que demandam uma cautela em toda ação que a empresa vai tomar.
Um destes mecanismos é a recuperação judicial, que está sendo disseminada como nunca, em virtude da pandemia e dos abalos financeiros gerados.
Adversamente do que acaba sendo disseminado também, é que o pedido de recuperação judicial não é sinônimo de “quebrar” a empresa ou de que a empresa jamais retornará ao seu status quo, mas sim que os gerentes desta empresa possuíram a capacidade de reconhecer a situação delicada que a empresa está vivenciando, seja em virtude de uma eventual má gestão, temporária ou sistêmica, ou por meio dos efeitos externos da crise, e utilizaram-se deste mecanismo judicial para viabilizar a reestruturação empresarial.
Ocorre que, quando do processamento da recuperação judicial, a empresa recuperanda fica limitada ao plano de recuperação judicial, estando adstrita aos seus termos e à deliberação dos credores para eventuais circunstâncias externas que afetem direta ou indiretamente o cumprimento do estabelecido no plano.
O ativo permanente da empresa também resta intacto, competindo ao Juízo Universal, após parecer do Comitê de Credores, deferir eventual alienação ou oneração destes bens, conforme dispõe o Artigo 66 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, 11.101/2005.
Em uma primeira análise, o referido artigo estabelece estas limitações por entender que os bens e direitos que pertencem ao ativo financeiro da empresa são os únicos meios pelo qual a empresa recuperanda pode continuar produzindo, ao passo que serve também como garantia para os credores de que há meio de cumprimento do plano e adimplemento integral de todos os créditos.
Muito se discutiu sobre estes ativos permanentes, principalmente o enquadramento ou não de direitos creditórios como sendo um ativo permanente e a sua possibilidade de faturização enquanto do trâmite da recuperação judicial, sendo tal discussão uniformizada pelo Superior Tribunal de Justiça no início do ano de 2019.
Em síntese, a modalidade contratual de fomento mercantil, conhecida como factoring, permite a alienação destes direitos creditórios (cheques, duplicatas, entre outros títulos) para um terceiro, que passará a ser o titular deste direito, mediante o pagamento dos valores antecipados ou no vencimento para o credor-alienante.
Esta alienação permite uma composição do caixa da empresa e possibilita um novo fôlego para a continuidade dos negócios, uma vez que, ante a natureza jurídica da operação, a empresa alienante não mais responderá por eventual insolvência do devedor do título.
A demanda foi levada para o Superior Tribunal de Justiça, onde, ao julgar o REsp nº 1.783.068/SP, uniformizou o entendimento de que as empresas em regime de recuperação judicial possam realizar operações de factoring, independentemente de qualquer prévia autorização judicial ou parecer do Comitê dos Credores.
Tecnicamente, o STJ entendeu que estes títulos negociáveis se tratam, na verdade, do ativo circulante da empresa, não pertencendo ao ativo permanente.
O entendimento traz a modalidade factoring como um forte aliado para a empresa recuperanda e a gestão da crise vivenciada, pois, com base neste entendimento, a operação independe das limitações tratadas no Artigo 66 anteriormente citado.
O principal objetivo da recuperação judicial é, justamente, reerguer a empresa de uma crise, sendo esta decisão uma demonstração de que o Poder Público corrobora com a adoção de novas medidas para propiciar o reforço do capital de giro.
A fonte segura do factoring e sua eficiência em trazer a liquidez patrimonial praticamente imediata é uma fonte encorajadora para empresas que estejam beirando os limites das dificuldades financeiras, ingressarem com a recuperação judicial, prezando, principalmente, pelas vastas possibilidades de se reerguerem e de reestruturar a saúde financeira da empresa e a sua manutenção no mercado brasileiro.
Sob outra perspectiva, tal decisão serve para as prestadoras do serviço de fomento mercantil, que podem visualizar nas empresas em recuperação judicial um alvo sólido para a exploração de novos negócios, ampliando fronteiras.
A situação do mercado financeiro brasileiro decorrente da pandemia, obriga que sejam discutidas estas medidas de superação de crise e também impõe ao Poder Público a necessidade de fomentar políticas públicas que sirvam como forma de alavancar a garantia de subsistência das empresas, tendo como exemplo, à curto prazo, as operações de factoring.
Publicado por:
Eduardo Antunes Cordova
- Estagiário do Escritório Silva & Silva Advogados Associados, atuante na área Cível.
- eduardo@silvaesilva.com.br