10.maio

Deixar de pagar ICMS declarado não é crime tributário

Na semana passada, a Quinta Turma do STJ virou mais uma vez sua jurisprudência, para finalmente voltar a decidir o óbvio, uma posição que há muito tempo estamos defendendo: que deixar de pagar imposto declarado não configura crime de sonegação fiscal.

Para os leigos, a verdade é que nosso sistema jurídico separa responsabilidade criminal e responsabilidade civil – fato que faz toda a diferença para que uma determinada conduta seja considerada crime ou não. Há ilícitos civis que não são ilícito criminal – e a inadimplência fiscal é uma delas: sujeita a juros, multa, execução fiscal, arrolamento de bens, mas nunca (pelo menos em tese) a pena privativa de liberdade.

A importância dessa garantia nunca deveria ser menosprezada pelo cidadão comum – levada às últimas consequências, é essa a garantia de que não seremos extorquidos pelo Estado, sob pena de prisão.

Com efeito, os crimes fiscais estão previstos na Lei Federal n° 8.137/1990, cuja descrição denota a criminalização, basicamente, de um tipo de conduta, ali discriminado em diversas possibilidades: a sonegação de informações a respeito de fatos tributáveis.

O crime de sonegação fiscal é o crime de omitir o lançamento tributário, nos casos em que é o próprio contribuinte quem é responsável pelo lançamento. É quando alguém pratica o núcleo da hipótese da tributação e não lança o tributo. Em outras palavras, quando alguém aufere renda e não declara. Quando vende uma mercadoria e não emite nota fiscal nem informa a operação ao Fisco. Entre outras situações possíveis.

Nesse sentido, a verificação da prática do crime de sonegação fiscal está, já de cara, estritamente vinculada ao lançamento tributário; e a identificação do agente, aos critérios que regem a sujeição passiva da regra de incidência tributária – identificar que: o lançamento não ocorreu; e quem deveria tê-lo feito; entre outras questões. Fatores que simplesmente não tem nada a ver com a quitação espontânea ou com os reflexos econômicos do crédito tributário.

Há muita gente no meio jurídico, contudo, que, em um claro desconhecimento dessas questões técnicas atinentes à relação jurídico-tributária, defendem a posição – incorreta – de que a inadimplência fiscal é crime tributário, em especial no que diz respeito ao ICMS e demais tributos chamados “indiretos” (que incidem nas operações de circulação/industrialização de mercadorias, por exemplo).

Para essa ala, os reflexos econômicos dos tributos “indiretos” na cadeia (o fato de estarem destacados em nota fiscal) transformariam a mera inadimplência fiscal desses tributos em crime de sonegação fiscal – interpretação que é totalmente incoerente, já que os reflexos econômicos dos tributos são irrelevantes para o estabelecimento da relação jurídico-tributária (relação entre o ente tributante e o contribuinte daquele tributo específico).

Essa equivocada posição foi tão difundida que chegou ao ponto de reverter a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, culminando na condenação penal indevida de muitas pessoas, literalmente por dívidas fiscais declaradas e não pagas. Prisão por dívida.

Por isso, é importante dar destaque à nova orientação adotada pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de modo a disseminar sua aplicação pelas instâncias inferiores, já que está de acordo com o caráter técnico da disciplina do Direito Tributário. Reflexos econômicos dos tributos “indiretos” são irrelevantes para a relação jurídico-tributária, e, por consequência, para o Direito Penal.

Com efeito, não se desconhece a importância da tributação para manutenção das atividades do Estado. Tal circunstância, contudo, não é desculpa para desvirtuar a tipificação do crime de sonegação fiscal, imiscuindo-se indevidamente na liberdade individual dos cidadãos – a segurança jurídica e a liberdade individual são os valores mais importantes do nosso ordenamento.

Pelo contrário: o Estado já detém os meios jurídicos para cobrança de dívidas; está aparelhado com as maiores prerrogativas processuais; e possui estrutura de pessoal, capacidade financeira, e recursos tecnológicos invejáveis; todos à disposição para essa finalidade.

Por isso, a nova orientação do Superior Tribunal de Justiça é absolutamente oportuna e merece ser disseminada: aquele que lança o tributo, mas não o recolhe a tempo e modo, seja qual for a sua razão (dificuldade financeira, crise econômica, etc), pode e deve ser considerado devedor, sofrendo as consequências do ilícito civil (multas e juros); mas jamais pode ser considerado criminoso.

Publicado por:

Kim Augusto Zanoni
OAB/SC 36.370

Sócio gerente do núcleo tributário.

kim@silvaesilva.com.br