O sistema processual penal tem como baluarte a prisão como exceção. Com efeito, extrai-se tal interpretação a partir da leitura do artigo 282, § 6º, do Código de Processo Penal, in verbis: “As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: § 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”.
Nesse contexto, impende anotar que o advento da Lei n. 13964/2019 alterou a redação do § 6º do art. 282, do CPP, para reforçar a necessidade de que a prisão preventiva somente seja determinada quando não for adequada e suficiente a substituição por outra cautela, cumprindo ao juiz justificar tal opção de “de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada” (PRISÃO CAUTELAR, Dramas, Princípios e Alternativas – Rogério Schietti Cruz, pág. 253).
Nessa ordem de ideias, faz-se mister assinalar o artigo 319 do Código de Processo Penal, o qual dá nove possibilidades ao julgador de substituir o cárcere por medidas cautelares diversas da prisão, a saber:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX – monitoração eletrônica.
Inclusive, neste ponto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido da aplicabilidade das medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, devem ser a regra. A exceção da regra é o cárcere.
Dito isso, vale registrar que:
- “Para ser compatível com o Estado Democrático de Direito – o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade quanto a segurança e a paz públicas – e com a presunção de não culpabilidade, é necessário que a decretação e a manutenção da prisão cautelar se revistam de caráter excepcional e provisório. A par disso, a decisão judicial deve ser suficientemente motivada, mediante análise da concreta necessidade da cautela, nos termos do art. 282, I e II, c/c o art. 312 do CPP” (AgRg no RHC n. 183.705/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 18/10/2023.)
- “Convém, ainda, ressaltar que, considerando os princípios da presunção da inocência e a excepcionalidade da prisão antecipada a custódia cautelar somente deve persistir em casos em que não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, de que cuida o art. 319 do CPP” – (AgRg no RHC n. 180.660/PI, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023).
- “No caso, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão de o delito praticado – furto – não envolver violência ou grave ameaça, circunstância que, aliada à reincidência específica do agente, justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional” – (HC n. 676.823/SP, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe de 7/10/2021).
De outra banda, transcendendo o caráter prelibatório do decreto preventivo, isto é, após o exaurimento da instrução criminal, a dicção processual impõe ao julgador decidir, fundamentadamente, acerca da mantença ou não da prisão preventiva, ou, ainda, a imposição de alguma medida cautelar. Diante disso, destaca-se, in verbis: “Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: §1o O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta”.
Logo, a prisão preventiva deve, além de atender os seus requisitos legais da garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312 do CPP), observar o trinômio adequação, proporcionalidade e necessidade, porquanto, a liberdade é a regra; e o cárcere é a exceção.
Em consonância com a literatura processual (art. 387, § 1º, do CPP), o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC n. 865994 – SP (2023/0397798-3), em síntese, assentou que: “É direito do réu, ao ser sentenciado, ter nova análise cautelar de sua segregação, pois ainda não se formou juízo definitivo de condenação e somente a demonstração da necessidade da cautela máxima autoriza sua manutenção”.
Por conseguinte, tal interpretação só reforça o remansoso entendimento tido pelo Superior Tribunal de Justiça a despeito da prisão preventiva, ratificando, outrossim, os arautos do Código de Processo Penal, qual seja: a liberdade como regra.
Por fim, o tema ganha relevo e é sempre de suma importância revisitá-lo, pois a prisão cautelar é, sem dúvida, a instituição mais angustiante de toda a persecução penal, drama que se acentua pela excessiva duração do processo e pela não rara deficiente fundamentação das decisões judiciais que suprimem a liberdade humana[1].
[1] PRISÃO CAUTELAR, Dramas, Princípios e Alternativas – Rogério Schietti Cruz, pág. 253 – contracapa.
Por: Dr. Luís Octávio Outeiral Velho
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