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ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA E A QUITAÇÃO: A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL PODE PREJUDICAR O DIREITO DE RECEBER VALORES PENDENTES?

Fluidez e agilidade são características inerentes ao mercado e aos negócios imobiliários. E assim, os negócios e relações que nesta esfera se desenvolvem por vezes acabam esbarrando no antagonismo entre a segurança advinda dos atos registrais, como o registro dos Contrato ou a outorga de Escritura Pública de Compra e Venda, e a burocracia que decorre da organização desse sistema.

Não é difícil de se visualizar essa contradição.

Basta que se imagine a seguinte problemática: o proprietário “A” compromete-se a vender através de contrato particular seu imóvel ao comprador “B”, este comprador, também por contrato particular, cede os direitos do referido imóvel ao cessionário “C”. Ocorre que, embora o preço do imóvel ainda não tenha sido quitado, o cessionário “C” precisa que lhe seja outorgado a Escritura Pública do Imóvel para realizar financiamento bancário, ou até mesmo para que possa desde já o negociar de maneira desembaraçada com um terceiro.

Poderiam as partes lavrarem a Escritura Pública de Compra e Venda diretamente do proprietário “A” para o cessionário “C”, sem que haja prejuízo aos valores que o então anuente comprador “B” tem direito a receber através do contrato particular?

Foi justamente em face de problemática similar a esta que o STJ – Superior Tribunal de Justiça decidiu que a existência de Escritura Pública de Compra e Venda, ainda que com valor menor ao firmado no instrumento particular, não implica em presunção absoluta de quitação do preço do imóvel.

Isso porque embora disponha o artigo 215 do Código Civil Brasileiro que a “a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena”, essa presunção de veracidade não tem o poder de tornar incontestável as disposições que derivem exclusivamente de declarações das partes, tanto é que justamente assim dispõe o artigo 319, parágrafo único do Código Civil Brasileiro.

Trocando em miúdos, o STJ decidiu que a quitação posta em Escritura Pública de Compra de Venda para fins meramente formais de transmissão da propriedade, depende de prova efetiva do pagamento para ser consumada. Apresentada prova de que ainda existem pagamentos pendentes, a outorga da Escritura Pública de Compra e Venda não será capaz de prejudicar o crédito a ser recebido.

Podendo servir de prova, inclusive, o contrato particular firmado entre as partes com o objetivo de cessão de direitos, como exemplificado acima, para comprovar a existência do crédito.

(REsp 1288552/MT, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 02/12/2020).

Publicado por:

Pedro Valença R. Ferreira.

  • Assistente Jurídico na área contratual e extrajudicial do Escritório Silva & Silva Advogados Associados.
  • pedrovalenca@silvaesilva.com.br