04.maio

Afinal, o que muda com a decisão do STF sobre o foro privilegiado?

O STF concluiu ontem (03 de maio) o julgamento sobre a extensão do foro privilegiado; e decidiu reduzir o seu alcance, só que apenas para os congressistas (deputados e senadores).

Com essa decisão, os crimes praticados antes da diplomação passam a ser julgados pelas instâncias ordinárias da Justiça. Os deputados e senadores ficam com foro privilegiado apenas no caso de crimes praticados durante o exercício do mandato, e diretamente relacionados com o exercício do cargo parlamentar – sendo julgados, nesse caso, pelo próprio STF.

Mas o que é o foro privilegiado?

É uma espécie de prerrogativa dada a determinados cargos públicos, de serem julgados diretamente por determinados Tribunais; os juízes das instâncias ordinárias não podem, nessas hipóteses, julgar nem investigar crimes praticados pelos ocupantes desses cargos com foro privilegiado.

Nesse sentido, o foro privilegiado atinge um grande número de cargos: prefeitos e juízes são julgados pelos Tribunais de segunda instância; governadores e desembargadores, pelo STJ; e o presidente, vice-presidente, deputados federais, senadores, ministros, pelo STF; entre muitos outros. Estima-se que no Brasil há nada menos do que 55 mil pessoas com foro privilegiado.
Como dito, com a decisão de ontem, uma parte dos processos praticados por ocupantes dos cargos de congressista passa a ser julgada não mais pela autoridade privilegiada, mas pelas instâncias ordinárias da Justiça.

A decisão do STF vale só para congressistas?

Sim. A posição majoritária que prevaleceu no STF é a de que só os congressistas serão julgados pelas instâncias ordinárias no caso de crimes cometidos antes da diplomação ou fora do exercício do cargo.

As demais autoridades públicas – prefeitos, governadores, juízes, promotores, ministros (incluindo os do próprio STF) com foro privilegiado continuam sendo imunes às instâncias ordinárias, mesmo no caso de crimes cometidos antes do mandato ou fora do exercício do cargo.

Qual o sentido da restrição ao foro privilegiado somente para os congressistas?

A principal justificativa para a restrição ao foro privilegiado é a existência de um sentimento de impunidade na sociedade brasileira, relativamente aos casos de corrupção que vem sendo diariamente noticiados na imprensa. Atribui-se ao foro privilegiado uma parcela de “culpa” pela morosidade dos processos e por uma característica “politizada” dos julgamentos envolvendo ocupantes de cargos públicos.

Mas a verdade é que a decisão do STF possui um claro contorno político – sob o pretexto de atender a um clamor público por justiça, a nova orientação ficou limitada, contudo, aos congressistas: são 81 senadores e 513 deputados federais, número que representa menos de 1% (um por cento) de todo o universo de pessoas contempladas com o foro privilegiado.

E, se o fundamento do Estado de Direito é a segurança jurídica do princípio da isonomia – que a lei deve ser aplicada de maneira igual para aqueles que estão em uma mesma situação ou categoria –, não há justificativa jurídica para a diferença de classes de foro privilegiado, inaugurada ontem.

Com efeito, é essa aplicação casuísta das regras estabelecidas pelo sistema jurídico, muito mais do que a morosidade ou o próprio foro privilegiado, o grande fator de descrédito das instituições judiciárias, que alimenta o sentimento de impunidade entre a população comum.

Além disso, esse novo posicionamento cria algumas dificuldades de ordem técnica, burocrática, que não foram esclarecidas e podem minar a eficácia prática dessa decisão do STF – evidentemente, em cada caso haverá discussão prévia para saber se o fato foi ou não praticado no exercício e por conta do mandato, para fins de fixação de competência.

E mais: como fica a fase investigatória, quando não se sabe qual é o crime ou quem praticou o fato, ou ainda, quando não se sabe se o suposto crime foi cometido em função do mandato ou não? Os juízes das instâncias ordinárias irão investigar até que ponto? E as medidas cautelares – quais são as medidas cautelares e até que ponto os juízes de primeiro grau poderão decretá-las? E ainda, como fica essa regra no caso de troca de cargo público (por exemplo, um congressista nomeado ministro – que continua com foro privilegiado para todos os fatos)?

Essas e outras questões não foram respondidas, mas deixam a porta aberta para infindáveis discussões em cada um dos casos, comprometendo a própria finalidade da decisão. Questões que poderiam ser solucionadas de maneira clara com uma regra única que fosse aplicada a todos – seja ela qual for.

Nesse sentido, está em debate no Congresso Nacional – e provavelmente será impulsionada pela decisão do STF – uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC n° 333/2017), que tem como objeto a redução do foro privilegiado para inúmeros cargos públicos; e proposta alternativa que prevê extinção do foro privilegiado para praticamente todas as autoridades públicas. O desfecho dessa discussão, portanto, ainda está muito longe do fim.

Publicado por:

Celso Almeida da Silva
OAB/SC 23.796-A

  • Sócio-fundador do Silva & Silva Advogados.
  • celso@silvaesilva.com.br